Olá a todos!
Como boa parte do mundo sabe, hoje é um dia importante para a história do Brasil quando o Senado Federal irá definir se a presidente Dilma Rousseff irá ser afastada do seu cargo ou não. De acordo com o que tenho lido, é provável que ela seja afastada.
Em meio a todas as manifestações que tenho acompanhado na Internet, continuo observando as mesmas críticas que vêm sendo feitas desde o início do processo quando o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, acatou o pedido no ano passado: que o processo todo não passa de um golpe, que seus defensores são golpistas e que aqueles que se manifestaram "contra a corrupção" nas grandes passeatas dos últimos anos não passam de hipócritas.
Quanto aos dois primeiros posicionamentos, eu já publiquei uma postagem anteriormente contendo uma apreciação feita pelo site Spotniks demonstrando que tal visão é deveras inadequada. É possível que eu também escreva uma postagem própria refletindo sobre essa questão nos próximos dias.
Hoje me volto para o último dos pontos mencionados, o da acusação de hipocrisia. Segundo essa crítica, as pessoas que participaram das várias "marchas contra a corrupção" bem como os que são favoráveis ao impeachment da presidente foram hipócritas quando marcharam apenas contra o governo da Dilma, mas não também pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara ou continuamente tendo em vista que a corrupção obviamente continua presente na esfera estatal. Um amigo meu resumiu essa visão num texto publicado no Facebook com as seguintes palavras:
(...) Contudo, para mim É GOLPE! Tanto é golpe que as pessoas que fizeram força para derrubar Dilma estão nem aí para o Temer que assinou documentos iguais aos utilizados contra Dilma. Fico triste pela seletividade da indignação dos brasileiros. As panelas silenciaram, o gigante voltou a dormir, o MBL não organiza mais passeatas "contra a corrupção" (parece que a corrupção acabou) e todo este processo apenas demonstra a hipocrisia da política brasileira. (...)
Aqui eu questiono: estamos nós em posição de acusar os manifestantes de hipocrisia como meu amigo entre outros o fez? Até onde me consta, o método correto de fazer tais avaliações é segundo o princípio "todos são inocentes até que se prove o contrário". Aplicado neste contexto temos que só deveríamos acusar alguém de hipocrisia após eliminar hipóteses que não atentam contra a honestidade intelectual do indivíduo.
O que aconte é que há outra hipótese perfeitamente plausível que não apenas inocenta os manifestantes da acusação, como ainda os ampara racionalmente: o de senso de proporcionalidade. Segundo essa ideia devemos tratar as coisas na medida de sua gravidade ou relevância de maneira que erros piores devem receber rejeições mais enfáticas que erros menores. Assim sendo o que pode ter acontecido é que os manifestantes fizeram uma algazarra maior contra o governo por terem entendido que a corrupção (e demais problemas) em torno deste em muito superaram em gravidade e relevância os problemas com Cunha e ademais, casos para os quais repúdias em mídias sociais e abaixo-assinados seriam suficientes.
Embora eu seja cético que essa explicação vale para todo e qualquer manifestante dos milhões que foram às ruas nesses últimos quatro anos (dos quais não faço parte), me identifico plenamente com esse posicionamento. No meu entendimento o governo petista, sobretudo sob Dilma Rousseff, acumulou um índice de gravidade de erros (tanto morais quanto administrativos) que em muito suplantaram os problemas com Eduardo Cunha e outros de maneira que as manifestações realizadas foram perfeitamente proporcionais. Quanto a estes erros, novamente o site Spotniks publicou um ótimo artigo entitulado "5 motivos pelos quais há mais oposição ao PT que aos demais partidos brasileiros" onde expõe os fatos que adequadamente justificaríam a suposta "seletividade de indignação" de muitos brasileiros.
Para conferi-lo, clique aqui.
Por fim é de se questionar se esses acusadores não seriam culpados pela mesma acusação que realizam, desta vez sem escapatória, levando-nos à curiosa situação de "dupla hipocrisia": hipócritas na sua atuação em relação à questão política e hipócritas ao acusarem outros do erro que eles mesmo estão a cometer.
Uma situação que sugere a ocorrência dessa "dupla hipocrisia" diz respeito ao caso de Eduardo Cunha. Pelo que acompanhei nas notícias, quando Cunha, este membro do PMDB, começou a receber as primeiras acusações de corrupção (o suficiente para muitos dos críticos das manifestações esbravejarem "Fora Cunha!" nas redes sociais), outro pmdbista, Renan Calheiros, já acumulava acusações do tipo junto ao STF. Por exemplo, quando Cunha ainda tinha apenas uma denúncia, Renan já tinha quatro e quando chegou às três (ou quatro) denúncias, Renan já estava na sétima. Tendo ainda isso ocorrido com Calheiros como presidente do Senado e do Congresso estando, portanto, a um posto acima do de Eduardo, o "senso de proporcionalidade" sugere que as manifestações contrárias a Renan deveriam ser consideravelmente maiores do que aquelas direcionadas a Eduardo Cunha.
Todavia, o que se observou nas redes sociais é que aqueles que tão enfaticamente protestavam contra o segundo estavam em completo ou proporcional silêncio com respeito ao primeiro, uma clara violação da proporcionalidade. A situação de duplo-padrão moral passa, então, a ficar latente quando paramos para observar que tais críticos geralmente são governistas e anti-impeachment num contexto em que Eduardo Cunha era visivelmente oposição ao governo e pró-impeachment enquanto Renan se mostrava simpatizante ao primeiro e aparentemente neutro quanto ao segundo. Em outras palavras, é visível que a "caça ao Cunha" não foi fruto de alguma grande preocupação com a corrupção estatal, mas apenas mais um caso de perseguição motivada por razões políticas.[1]
Que o Senhor seja com vocês,
Momergil
(Se gostou, não se esqueça de compartilhar!)
[1] Talvez cabe mencionar que os críticos também geralmente são politicamente ligados à esquerda enquanto que Eduardo Cunha, além de visivelmente conservador, é evangélico, um grupo constantemente criticado por aquele segmento político especialmente quanto à sua presença na política.