Introdução
Nos mais distintos campos do saber humano, muitas ideias e grupos de ideias vieram a ser elaboradas. Em suas defesas, costuma-se empregar argumentos, instâncias de raciocínio compostas por afirmações[R1] onde uma, a conclusão, é pretendidamente suportada pelas demais, as premissas, por meio de uma estrutura que consiste na maneira como tais afirmações são dispostas[R2].
Argumentos nem sempre são bons: eles podem falhar em providenciar o devido suporte à crença racional em suas conclusões. Essa falha pode ser resultado de problemas na veracidade das premissas, na estrutura do raciocínio ou em ambos ao mesmo tempo[R2]. No segundo caso, tem-se um problema de natureza lógica e a tal tipo de erro costuma-se chamar "falácia lógica". Assim, um argumento é "logicamente falacioso" caso apresente uma falha em sua estrutura que o inviabiliza como meio adequado de demonstrar a veracidade da sua conclusão[R3].
Reconhecer a presença de um erro estrutural em um raciocínio ou de um novo tipo de falácia geralmente envolve o simples uso da intuição racional. Normalmente cabe ao analisador reconhecer, apenas contemplando o argumento, que ele não é logicamente válido. Por essa razão, algumas das propostas de novos tipos de falácias consistiram em simples menções a elas. Assim foi quando C. S. Lewis propôs o bulverismo[R4] e Antony Flew, a "não é um verdadeiro escocês"[R5].
Em certos casos, porém, é possível demonstrar que uma certa linha de raciocínio é falaciosa. Um exemplo de viabilidade de demonstração diz respeito às diversas configurações do chamado non sequitur, o caso em que a conclusão simplesmente não segue logicamente das premissas quando se pretende defender um raciocínio dedutivo[N1]. Neste caso, é possível demonstrar a presença de um non sequitur apresentando ao menos uma situação em que a estrutura de raciocínio proposta se faz presente sem que a conclusão esteja correta.
Por exemplo, a falácia argumentum ad Nazium (ou reductio ad Hitlerum) consiste em afirmar que algo é ruim porque Hitler ou o Nazismo o defendia[R6]. Como o método sugere, essa linha de raciocínio é demonstrada falsa ao se contemplar ao menos uma coisa boa ou ao menos não ruim que Hitler ou o Nazismo defendiam, tal como ser vegetariano ou o progresso de uma nação. Sendo verdade que ser vegetariano não é algo maldoso ou ruim e, todavia, o Führer o praticava[R7], fica demonstrado que o simples fato de Hitler ter defendido algo não implica que este seja ruim. O mesmo vale para o caso do progresso de uma nação defendido pela visão nazista.
A "apelo à natureza" fornece outro exemplo. Esta falácia consiste em afirmar que algo é bom ou correto pelo simples fato de ser [de origem] natural, ou então ruim ou errado caso não seja natural[R8]. Tal raciocínio é demonstrado logicamente inválido quando se contempla, por exemplo, que uma massa industrializada não é ruim para a saúde humana, inclusive sendo melhor para esta do que alimentar-se de plantas e animais venenosos embora estes sejam naturais.
Exemplos como os apresentados acima demonstram a validade desse método para o reconhecimento de casos non sequitur. Por consequência e segundo o que foi abordado anteriormente, uma vez que uma avaliação semelhante tenha sido realizada sobre algum argumento, a ação correta será abandoná-lo evitando, assim, uma crença com justificativa racionalmente inválida. Isso, todavia, não é o mesmo que e tampouco implica na necessidade de abandonar a crença: um argumento estruturalmente inválido não implica em sua conclusão ser falsa, mas tão somente que ele não consiste numa justificativa adequada para se crer em sua conclusão. É possível que um argumento falhe logicamente enquanto sua conclusão seja verdadeira e demonstrável por meio de outra linha de raciocínio[N2]. Em alguns casos, porém, a morte de um argumento implica na derrota, ainda que temporária, da sua conclusão. Isso ocorre tanto com as proposições que têm a sua sustentação em um único argumento[N3] quanto com aquelas que estão intrinsecamente relacionadas a ele. Neste último caso, a conclusão é racionalmente inaceitável porque não há como ser acreditada sem que se afirme a falácia.
Também é importante reconhecer que, às vezes e dependendo do contexto, uma linha de pensamento será plausível apesar de empregar uma falácia. Um exemplo típico consiste na "falácia de composição" quando empregada para determinar a cor de uma superfície. Essa falácia consiste em afirmar que um todo possui uma determinada propriedade porque [todas as] suas partes possuem aquela propriedade[R9]. Empregando o método anterior, pode-se demonstrar que tal não procede. Por exemplo, todas as partes da pintura Mona Lisa de Da Vinci são manchas disformes enquanto que a pintura, o todo, não o é. Por outro lado, é plausível concluir que a cor de uma superfície de lajotas será verde se todas as suas lajotas forem verdes. Este raciocínio parece plausível mesmo sendo um caso de falácia de composição.
Embora casos como o da coloração da superfície pareçam demonstrar uma certa "plausibilidade esporádica" de raciocínios falaciosos, isso não invalida ou mesmo minimiza a sua inviabilidade como sustentação de conclusões. Em casos como o das lajotas, ainda será necessário providenciar alguma informação adicional que justifique a relação entre as premissas e a conclusão para justificar o argumento. Esta virá a ser uma premissa adicional ao raciocínio que, por sua vez, inevitavelmente se traduzirá no surgimento de um segundo argumento mais complexo do que o original[N4].
Uma nova falácia
Quando uma linha de raciocínio é identificada e aparece com certa frequência, é comum que se lhe batize com um nome[R3] como foi o caso dos dois exemplos de falácias mencionados anteriormente. Tendo isso em consideração bem como o método recém apresentado para identificar casos de non-sequitur, proponho que se reconheça a existência de uma nova falácia plausivelmente denominável "da igualdade" ou "igualitariana".
A linha de raciocínio contemplada é aquela segundo a qual "se, em determinada situação, há igualdade, então tal situação é boa ou melhor do que seria caso houvesse desigualdade". O que se está a afirmar é a existência de alguma relação de implicação entre igualdade e estado qualitativo positivo moral, estético ou de qualquer outra natureza (como o presente em "uma boa jogada de xadrez").
Seguindo o método proposto, demonstra-se que tal linha de raciocínio é uma forma de non-sequitur caso haja ao menos uma situação em que a relação de implicação entre igualdade e estado qualitativo positivo não se faça presente - e casos assim são abundantes.
Para o primeiro exemplo, tem-se a questão da pobreza. Diante de uma realidade de recursos escassos, pessoas podem vir a concentrar mais ou menos destes recursos ficando mais ou menos ricas. Dependendo do nível que possuir, um indivíduo poderá ficar incapaz de possuir o mínimo para suprir suas necessidades básicas e viver uma vida materialmente agradável. Como o oposto disso é desejável, pode-se concluir que o estado financeiro de pobreza é indesejável. Em contrapartida, quanto mais abundante de bens alguém for, ao menos tudo o mais igual, melhor será para ele.
Tendo isso em vista, pode-se imaginar um grupo hipotético de cem pessoas onde cada uma será ou pobre ou rica. Em desejando a maximização do bem-estar em linha com o que foi anteriormente considerado, pode-se concluir que o pior estado em que tal grupo de pessoas poderá se encontrar é aquele no qual todos os cem indivíduos são pobres, vivendo em sofrimento. Em contrapartida, o melhor estado possível para essa sociedade é aquele em que todos são ricos, vivendo na abundância. Consequentemente um estado intermediário onde alguns já atingiram a riqueza, porém outros ainda permanecem na pobreza, será inferior ao de plena riqueza, porém melhor que o de plena pobreza.
Neste caso, há dois estados de igualdade possíveis (totalmente pobre e totalmente rico) e um de desigualdade (apenas parcialmente rico) sendo um estado igualitário ruim (todos pobres) e um estado desigualitário melhor que um igualitário (melhor alguns ricos e outros pobres do que todos pobres). Isso, todavia, se opõe ao que declara a falácia da igualdade: não só há um estado igualitário que não é bom, como há um que é inferior a um com desigualdade. Segundo o método, portanto, fica assim demonstrado que igualdade não implica em qualidade.
Um caso similar é visível no âmbito da justiça. Em um país com leis e onde uma parcela da população sofreu agravos criminais, há a possibilidade de todos estes serem injustiçados, de todos receberem a justiça devida e de alguns serem justiçados enquanto outros não. Na medida que é desejável que um indivíduo receba a recompensa prevista em lei em face de um crime que lhe foi cometido, pode-se concluir que o pior cenário possível é aquele em que todos são injustiçados enquanto a melhor situação possível é aquela em que todos recebem o que lhes é devido. Por fim ainda há a possibilidade de alguns serem justiçados enquanto outros não. Neste caso, há duas situações igualitárias sendo uma delas não apenas ruim, mas a pior das possibilidades, e uma situação de desigualdade que, embora não o ideal, é melhor do que uma com igualdade. Tal exemplo também mostra, portanto, que o simples fato de haver igualdade não significa que algo seja bom ou melhor do que seria se houvesse desigualdade, ficando provado que a inferência em estudo é logicamente inválida.
Conclusão
Com base no uso do método proposto para a detecção de variantes de non-sequitur aplicado aos casos apresentados, conclui-se que inferir estado qualitativo positivo a partir de igualdade é logicamente inválido. O mesmo, naturalmente, procede com o raciocínio inverso, inferindo-se negatividade à partir de desigualdade.
Embora os exemplos apresentados demonstrem a falácia apresentada em concordância com o método proposto, pode ser tentador insistir em afirmar uma conexão entre igualitarianismo e estado qualitativo positivo em face de todas as melhores situações serem igualitárias (nos exemplos, todos ricos e todos justiçados). Essa relação, todavia, não passa de uma coincidência, pois o que torna tais estados desejáveis não é a sua igualdade, mas a presença abundante daquilo que os deixa bom (seja riqueza, justiça ou outra coisa). A sua característica positiva, portanto, não é mérito da igualdade.
Comentários
O reconhecimento da falácia igualitariana traz relevantes implicações para a esfera intelectual. Isso ocorre porque sua linha de raciocínio é comumente empregada em obras e teses em várias áreas como justificativa para uma grande variedade de propostas e posições. Sendo uma falácia, tais defesas são deficientes e deveriam ser rejeitadas. Também como foi visto, as teses ou posições que têm na defesa da igualdade o seu único argumento deveriam ser rejeitadas até que uma nova justificativa, válida, surja em sua defesa. Por fim, teses que são inescapavelmente conectadas com a falácia igualitariana, sendo impossível desassociá-las dela, deveriam ser rejeitadas. Um caso notório desta última implicação jaz na corrente ideológica denominada "de esquerda" ou "esquerdismo" como demonstra o raciocínio a seguir.
Ideologias, religiões, correntes filosóficas e outras formas de "pacotes de ideias" são caracterizados por defenderem uma ou mais proposições. Tais proposições são discrimináveis em "essenciais" ou "fundamentais" e "não essenciais" ou "supérfluas". As fundamentais são as necessárias para a veracidade e validade do pacote; precisa-se que todas sejam verdadeiras para que o grupo de ideias que as propõem seja racionalmente aceitável. Já as proposições supérfluas, embora possam ser comumente defendidas, são descartáveis; sua inveracidade não implica na invalidade do grupo de ideias respectivo. Por consequência, refutar ao menos uma proposição essencial implica em inviabilizar a crença e aceitação racional nos pacotes que a defendem. Já refutar até mesmo todas as proposições supérfluas não altera o status de aceitação racional de tais pacotes.
Por exemplo, o Cristianismo defende um conjunto de proposições organizadas em doutrinas. Entre essas, algumas são essenciais tais como a que afirma a existência de Deus e a que afirma a salvação da humanidade de seus pecados por meio da fé em Jesus de Nazaré. Como colunas fundamentais, a veracidade de tais ideias é necessária para a veracidade da religião: se ao menos uma dessas afirmações for falsa, então necessariamente a religião é falsa ainda que todas as demais sejam verdadeiras[N5]. O mesmo não procede com proposições respectivas a doutrinas periféricas como a da inerrância bíblica. Embora seja comum que cristãos a defendam, teólogos concordam que o Cristianismo estaria longe de ser provado falso caso tal doutrina fosse invalidada[R10].
Sendo assim, conclui-se que, se um pacote de ideias apresenta uma proposição essencial cujo único argumento usado para a sua sustentação expresse uma falácia como a igualitariana, então esse pacote é racionalmente inaceitável ao menos até que um novo e bom argumento seja apresentado. Também se conclui que, se uma proposição essencial inescapavelmente afirma uma falácia, então o pacote de ideias que a defende é racionalmente inaceitável. Um caso em que isso ocorre diz respeito ao esquerdismo.
Embora possa ser definida de mais de uma maneira, a ideologia esquerdista é intrinsecamente conectada à ideia da busca da igualdade social[R11][R12] em termos econômicos, civis e políticos. A luta pela igualdade é tema recorrente em trabalhos esquerdistas e a literatura sobre os mesmos constantemente os une apresentando um em termos do outro. Sendo assim, a busca pela igualdade social, representável pela proposição "deve-se buscar/defender/lutar pela igualdade social", é constituinte essencial da esquerda.
Quanto a tal proposição, pode-se indagar qual a razão da sua veracidade, o porquê que deveríamos buscar/defender/lutar pela igualdade social. E uma resposta provável de ser dada por um defensor envolveria a obtenção de um estado qualitativo positivo, i.e., porque de alguma forma "isso é/vai ser bom"[N6]. Uma vez que essa for a única razão de um indivíduo para ter essa posição, sendo ela a falácia da igualdade manifesta, então tal deveria parar de defendê-la. Em outras palavras, um indivíduo só deve ser esquerdista, buscando a igualdade social, se tiver algum argumento racionalmente válido para sê-lo que não apele à obtenção de um estado qualitativo positivo por meio da igualdade. Se esse for o seu único argumento, defender o esquerdismo será para ele uma ação irracional.
Já independente das razões que um indivíduo tenha para defender uma posição política, tais posições são sempre associadas à busca por um mundo melhor por meio das ideias por elas propostas. Ou seja, a busca por um mundo melhor é essencial a uma visão política e seja o que ela propor, naturalmente o fará com esse objetivo. Por exemplo, a visão direitista propõe conservadorismo moral e cultural, além da aceitação ou mesmo defesa de certas desigualdades, como meio para aquele fim. O liberalismo, por sua vez, propõe a defesa dos direitos humanos fundamentais de vida, propriedade e liberdade sob e entendimento que, se a humanidade vivesse segundo tais direitos, ela teria uma experiência de vida melhor. A busca por um estado qualitativo [mais] positivo para os seres vivos pode não ser o que se passa na mente de um ideólogo ao defender o seu posicionamento político, porém essas visões por si próprias visam tal objetivo. Elas não são como teses científicas, apresentando descrições de como a realidade é; antes, elas são prescritivas, afirmando como a sociedade deveria ser e agir em face da desejável obtenção de uma realidade qualitativamente superior.
Conclui-se que, sendo uma visão política, quando o esquerdismo prega que "deve-se buscar/defender/lutar pela igualdade social", ele o faz propondo ser esse o caminho para um mundo melhor. Mas em fazendo assim, o esquerdismo acaba por afirmar a falácia da igualdade, inferindo um estado qualitativo positivo (um mundo melhor) a partir da igualdade. Conclui-se, portanto, que a visão esquerdista está essencialmente conectada a um raciocínio racionalmente inválido e, portanto, consiste numa proposta irracional. Ou seja, em não havendo como afirmar o esquerdismo sem afirmar a falácia da igualdade, então tal visão política é racionalmente inaceitável.
Notas
N1: "Raciocínio dedutivo" é aquele em que necessariamente a conclusão será verdadeira se as premissas forem verdadeiras. O mesmo não procede com raciocínios indutivos em que as premissas são fornecidas visando apenas aumentar a probabilidade da conclusão. Nestes casos, ser non sequitur não implica em ser estruturalmente deficiente.
N2: Uma analogia útil à compreensão é entender a conclusão como um lugar aonde se pretende chegar separado da posição atual por um penhasco. Neste caso, um argumento equivale a uma ponte ligando ambos os lados. Se uma ponte ali presente estiver arrebentada, isso não significa automaticamente que não haja outras pontes logo adiante em melhores condições e seguras para a travessia.
N3: Seguindo o exemplo da N2, se só houver um caminho ao outro lado do penhasco e este estiver inviável, então será obrigatório permanecer na posição atual até que uma nova ponte seja construída.
N4: Por exemplo, Nelson Goodman procura resolver o caso da falácia de composição distinguindo propriedades "expansivas" e "não expansivas"[R9]. Seguindo essa sugestão, para argumentar em prol da coloração de um piso sem cometer a falácia de composição, se deveria afirmar tal distinção como parte das premissas.
N5: Concernente à fé em Jesus para a salvação dos pecados, o apóstolo Paulo manifestou esse entendimento em 1 Coríntios 15.
N6: Essa justificativa pode ser manifesta de várias maneiras indiretas, como em "porque assim teremos um mundo melhor", ou "porque assim é mais justo" ou ainda "porque assim seremos todos mais felizes".
Referências
R2: Bradley Dowden, "Fallacies", Internet Encyclopedia of Philosophy, 2017, disponível em:
http://www.iep.utm.edu/fallacy/> e acessado em 25 de outubro de 2017.
R4: Clive Staples Lewis, "Undeceptions: Essays on Theology and Ethics", London: Geoffrey Bles, 1971.
R5: Antony Flew, "Thinking About Thinking: Do I Sincerely Want to Be Right?", London: Collins Fontana, 1975.
R11: T. Alexander Smith e Raymond Tatalovich, "Cultures at War: Moral Conflicts in Western Democracies", Toronto, Canada: Broadview Press, 2003, p. 30.
R12: Norberto Bobbio e Allan Cameron, "Left and Right: The Significance of a Political Distinction", University of Chicago Press, 1997, p. 37.